Terá sido, pois, na esteira do novo “espírito” que João Carlos Gregório Domingos Vicente Francisco de Saldanha de Oliveira e Daun (Lisboa, 17 de Novembro de 1790 – Londres, 20 de Novembro de 1876), nono filho do Conde de Rio Maior e neto do Marquês de Pombal, foi 1.º Conde, 1.º Marquês e 1.º Duque de Saldanha e completou a sua brilhante carreira militar – que iniciara recusando-se a servir a bandeira tricolor – como marechal, foi, igualmente político e diplomata notável, foi revoltoso e protagonista da Saldanhada.
Foi, enfim, um romântico que, por volta de 1820, se embrenhou no copioso encantamento de Sintra.
Segundo Anne de Stoop, “parece ter-se instalado nestas altitudes antes de 1827, como deixa supor uma carta escrita na ‘casa de Sintra’ a 2 de Agosto, ao Rei D. Pedro IV. A partir de 1834, faz melhoramentos nesta casa, data em que (...) recebe uma importante doação de cem contos de réis juntamente com o título de Marquês, pelos grandes serviços prestados ao país e à monarquia liberal”. Acreditamos – como sugere, aliás, Stoop – que se tenha tratado de simples melhoramentos, uma vez que o programa gótico desenvolvido na mansão de Saldanha é bastante incipiente, estando ainda longe dos arquétipos que caracterizaram o romantismo sintrense dos meados de oitocentos.
Na verdade, a casa debuxada em forma de “L” e de prospeto chão que o Duque de Saldanha renovou, por volta de 1834, apresenta laivos góticos na arcaria quebrada dos vãos alinhados em sobreposta monotonia, sendo a fachada principal precedida de amplo balcão com abóbodas cruzadas de ogiva e percorridas por expressivas nervuras que assentam em mísulas e colunas de fuste redondo. No interior, constata-se a mesma indefinição programática, onde “sobre um arranjo de espaços modernos é proposto uma soberba decoração medieval”. Os frescos que cobrem as principais salas corroboram igualmente esta indecisão, pois ali subsiste uma iconografia de recorte classicizante, mas que submerge no espírito romântico, em particular no tratamento da paisagem, com destaque paras a grandiosa figuração das principais enunciações sintrenses, a Serra, o Castelo e o próprio Palácio da Vila.
Se a qualidade mediana do projeto arquitetónico não avulta no contexto da arquitetura romântica, o ato de ter mandado armar um portal manuelino proveniente do antigo convento jeronimita da Penha Longa revela-se importante numa perspetiva eminentemente cultural, enquadrando-se num ‘pré’-momento. Constituiu, por isso, inequívoco leit motiv da História da Arte romântica de Sintra e mereceu, inclusive, a atenção de José-Augusto França: “a Quinta do Saldanha interessa-nos especialmente porque na casa mandou o marechal adaptar um portal manuelino”. A inserção do portal manuelino como pórtico da capela terá anunciado, para além de enfático acesso patrioteiro, o reconhecimento de uma arte nacional, posição que, mais tarde, D. Fernando secundaria ao introduzir, no seu novel Palácio da Pena, tímpanos rendilhados e ombreiras quinhentistas que também mandou retirar do desativado cenóbio da Penha Longa.
O programa manuelino de Saldanha foi, de facto, mais completo e estruturado do que o tímido ensaio gótico. Acrescentou, assim, uma fonte neomanuelina, datada de 1835, que adornou com versos d’Os Lusíadas e, mais tarde, encarregou o arquiteto Possidónio da Silva de traçar, no mesmo ‘estilo’, imponente monumento dedicado à Fé que ostenta sublime epígrafe da autoria do próprio Duque: O AMOR DE DEUS / DO QUAL NASCE / O AMOR DA FAMÍLIA, DO QUAL DERIVA /AMOR DA PÁTRIA / HE SÓ O QUE PODE ASSEGURAR-NOS / A FELICIDADE NA TERRA: NO CÉU, A BEMAVENTURANÇA / O MARECHAL DUQUE DE SALDANHA, 1870.
Incessante no seu progresso, o tempo define posicionamentos diversos. Por isso, não será estranho que, logo em 1853, no Novo Guia do Viajante em Lisboa e Seus Arredores, se considere que este “palácio é construido em um genero extravagante d’architectura, que logo dá na vista ao forasteiro; por isso a mencionâmos em separado, posto que nada de curioso tenha lá a observar”. E que, trinta e cinco anos depois, no roteiro Cintra, Collares e Seus Arredores, se considere uma “bella casa”.
Quase no fim da sua vida, o Marechal Duque de Saldanha – mercê de questiúnculas políticas – foi enviado para Londres como embaixador. Vendeu, então, a Quinta a uma família inglesa e, já nos princípios de novecentos, a sua neta Carlota de Saldanha Oliveira e Daun adquiriu a propriedade, mas frequentou-a pouco. Votada a um semiabandono, a Quinta do Saldanha despertou atenções nos tempos conturbados da I República, tendo, inclusivamente, o jornal A Voz de Sintra, na sua edição de 2 de Agosto de 1919, exaltado a necessidade de se lhe outorgar um fim socialmente útil, sugerindo que o Estado a deveria adquirir ou expropriar para ali instalar o parque público, o salão de festas municipal, o museu etnográfico, a biblioteca e o arquivo histórico e, ainda, de um pavilhão para exposições regionais. Mais tarde, em 1950, Carlota Daun criou um museu na Quinta do Saldanha, onde incluiu a interessante coleção de obras de arte por si reunidas. Este museu teve uma existência efémera e todos estes bens, incluindo a propriedade, acabaram legados ao Patriarcado de Lisboa que, ainda hoje, os detém.