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O Bolo de Noiva foi a denominação que os habitantes da vila de Sintra utilizaram para definir aquela estrutura irreal que se erguia não muito longe do palácio dos Reis. Cenograficamente, nunca nada se tinha visto que se lhe pudesse comparar. É certo que os vários palácios como Monserrate ou a Pena, resultado do período romântico, apresentavam-se merecedores de obras de arte por si próprias, encantando eruditos e analfabetos. Contudo, a nova quinta do milionário Dr. António Augusto de Carvalho Monteiro era algo de diferente.
O resultado final apresentava várias estruturas decoradas num estilo revivalista a que absolutamente ninguém conseguia ficar indiferente.
Para compreendermos um pouco da História da Quinta da Regaleira temos de recuar alguns séculos, mais exatamente ao século XVII. A documentação disponível é escassa, porém, sabe-se que, em 1697, José Leite adquiriu uma extensa propriedade no termo da vila de Sintra que corresponde mais ou menos aos acuais limites do parque. Alguns anos mais tarde, em 1715, a quinta foi adquirida em hasta pública por Francisco Alberto de Castro e ostentou o topónimo de Quinta da Torre ou do Castro. O novo proprietário foi o introdutor da água canalizada na quinta, a partir de uma nascente da serra de Sintra.
Em 1830, a quinta pertenceu a Manuel Bernardo Lopes Fernandes e, em 1840, tornou-se propriedade da filha de uma abastada negociante do Porto, de seu nome D. Ermelinda Allen, que, mais tarde, foi agraciada com o título nobiliárquico de Baronesa da Regaleira. A Quinta da Regaleira recebeu este nome porque, segundo a tradição, a nova proprietária achava um regalo a vista de uma das torres do jardim.
Em 1892, os então Barões da Regaleira venderam a propriedade ao conhecido milionário Monteiro dos Milhões, isto é, ao Dr. António Augusto de Carvalho Monteiro. Nascido no Rio de Janeiro, em 1848, e filho de pais portugueses, cedo abandonou o Brasil e veio para Portugal, onde se licenciou em Direito na Universidade de Coimbra. Dono de uma riqueza considerável, adquiriu a propriedade de Sintra para ali edificar um palácio muito especial.
Carvalho Monteiro era um homem de uma cultura significativa. Sendo um amante incontestável da epopeia nacional, transpôs para a decoração do seu novo palácio os principais símbolos da nação portuguesa, relembrando assim os momentos áureos vividos pelos lusitanos nos seus vários séculos de existência. Este gesto fora traduzido num gosto revivalista com grande incidência na ornamentação ao estilo manuelino, possivelmente por este ser um dos principais momentos de glória que o país atravessou com a descoberta de novos caminhos para outras partes do globo ou, pelo menos, um dos períodos que nos legou um estilo arquitetónico com uma decoração tipicamente lusa e que se acordou, hodiernamente, chamar-se manuelina por ter sido criada no reinado do Rei Venturoso.
Sintra apresenta-se ao mundo como um cadinho mágico, quase que diferente de todos os lugares da terra que conhecemos. Como tal, a obra de Carvalho Monteiro não seria uma obra qualquer e, sendo ele inspirado pelo ecletismo estrutural e decorativo do altivo Palácio da Pena, convidou um dos melhores, senão mesmo o melhor cenógrafo da época para projetar o seu sonho, o italiano Luigi Manini, que tinha terminado as obras no Hotel Palace do Buçaco em estilo neo-manuelino. Foi o próprio Manini que se encarregou de desenhar os planos e edificar a obra de Carvalho Monteiro.
Para além do Palácio, o Arquiteto interveio, ainda, nos quatro hectares da quinta, projetando intervenções para lagos, grutas, edifícios enigmáticos, jardins luxuriantes e outros lugares, carregados de simbologia alquímica, maçónica ou ainda relativa aos Templários e aos Rosa-Cruz que, com o habitual nevoeiro que se levanta nas faldas da serra, conferem ao local uma densa aura de mistério. A própria arquitetura foi claramente inspirada nos vários modelos arquitetónicos, desde o nascimento da nação com estruturas a evocarem o românico, o gótico, como já acima dissemos, renascença e manuelino e, inclusive Arte Nova. As obras terminaram em 1910.
A riqueza iconográfica, por vezes encriptada, de cada peça de cantaria, convida qualquer um a desvendar-lhe a leitura. Os símbolos, figuras, objetos, emblemas, cartelas, formas, etc. revelam-se surpreendentes, em que a originalidade de Manini conferiu ao conjunto uma série de características excecionais que transformaram quase todo o espaço da quinta e do respetivo jardim num extraordinário cenário de ópera.
A riqueza da simbologia que aqui encontramos nem sempre está acessível ao observador. Se, por um lado, as alusões ao manuelino são fáceis de identificar, outros elementos relativos ao inferno de Dante, ou até mesmo à egiptologia, são um pouco mais complicados e carecem de conhecimentos adicionais que, muitas vezes, requerem mesmo noções claras de conceitos ligados ao simbolismo. Este vasto espaço, carregado de misticismo e de percursos iniciáticos, foi, segundo alguns autores, feito propositadamente para os que pertencem à Maçonaria. Apesar da sua aura mística, não sabemos ao certo se algum ritual ou algo que se lhe possa assemelhar alguma vez ali terá tido lugar.
Em 1942, a já famosa Quinta da Regaleira, foi comprada pelo milionário Waldemar D`Orey. Imediatamente após a aquisição, contratou dois importantes arquitetos, Luís de Couto e António Lino, para remodelar o interior do palácio de forma a adaptá-lo à sua grande família e eliminar alguns elementos decorativos.
Mais tarde, no ano de 1988, os herdeiros de Waldemar D`Orey venderam a propriedade à empresa japonesa Aoki Corporation que a manteve encerrada apenas com um caseiro a guardá-la. Finalmente, em 1997, a Quinta da Regaleira foi adquirida pela Câmara Municipal de Sintra, passando a ser gerida pela Fundação Cultursintra.