A Confraria da Santa Casa da Misericórdia de Sintra foi instituída pela rainha D. Catarina, esposa do rei D. João III, entre Março e Julho de 1545. Como benemérita da vila de Sintra – compromisso inerente ao próprio cargo de rainha -, foi responsável por um número considerável de obras operadas no concelho. Uma das acções que patrocinou foi a construção da igreja da Misericórdia de Sintra, por volta do mesmo ano da criação da irmandade, à qual, mais tarde, e por ordem do soberano, se anexou o Hospital do Espírito Santo e a Gafaria.
Durante o quarto de século seguinte não temos notícias relativas ao importante complexo ali erguido o que pode indicar que tudo correu a favor da normalidade, ou que, pelo menos, não terão ocorrido alterações significativas à estrutura original.
A 16 de Fevereiro de 1578 a mesa da assembleia resolveu substituir o velho altar-mor, de madeira, por um outro que melhor dignificasse o templo. Segundo o Arquivo da Congregação, para esta substituição, foram contactados dois artistas: o arquiteto régio Nicolau de Frias e o imaginário Jorge Rodrigues. Nenhum dos dois foi contratado e não se sabe o porquê pois não há mais nenhuma referência a estes dois indivíduos. Belchior Gomes, mestre de marcenaria, morador no termo de Cascais, foi o escolhido para executar os referidos trabalhos com quem foi firmado contracto no dia 2 de Março do mesmo ano. Por volta de 1581 o retábulo estaria praticamente terminado e para o pintar, dourar e estofar foi contratado, a 15 de Janeiro, o pintor Cristóvão Vaz. Este último discípulo do importante mestre maneirista Diogo Teixeira (ativo entre 1562 e 1612) e do qual ainda hoje subsiste, entre outras obras, um admirável Pentecostes pintado sobre madeira e executado na sua oficina de Lisboa para o altar-mor da capela do Espírito Santo, situada no interior do paço real de Sintra (obra igualmente de inícios da década de oitenta do séc. XVI).
O pintor Cristóvão Vaz terá trabalhado em Sintra entre 1581 e 1584. Em 1583 pintou duas tábuas destinadas aos dois retábulos dos altares colaterais da igreja que, ao contrário das primitivas obras destinadas ao painel retabular do altar-mor perdidas na noite dos tempos, chegaram até nós. As duas pinturas, uma representando a Adoração dos Magos e a outra a Ressurreição de Cristo, ainda hoje se podem ali observar apesar de destituídas do seu contexto original e a que não serão alheias as várias campanhas de restruturação, conservação e restauro de que o templo foi alvo ao longo dos séculos. Cristóvão Vaz legou-nos uma importante herança pictural que encontra a sua máxima expressão nos retábulos das igrejas da misericórdia de Sintra, da matriz de Colares e da matriz de Cascais.
As largas manchas dos esvoaçantes panejamentos e a representação mística dos rostos das figuras representadas, são algumas das características da sua pintura anti-renascentista e a que recentemente se convencionou chamar maneirismo - corrente caracterizada por uma violenta reação ao esforço de reprodução dos modelos clássicos adotada pelos artistas da renascença e iniciada pelo génio universal de Miguel Ângelo Buonarrotti. A própria palavra maneirismo recebeu influência direta da maniera como o exímio artista interpretou e representou as teorias neoplatónicas nas principais disciplinas artísticas - pintura, escultura e arquitetura.
A planta longitudinal do templo é composta por uma estrutura paralelepipédica única que inclui a capela-mor. A cobertura é feita por telhado a duas águas e as paredes exteriores pintadas de cor-de-rosa com embasamentos de cantaria rematados por uma cornija delineada a branco, na parte superior, e rematada na empena por uma pequena cruz latina. A fachada principal é enquadrada nas extremidades por dois cunhais de cantaria e finalizados por urnas com fogaréus. O cunhal do lado esquerdo castiga parte da pequena torre sineira, recortada, com ventana de arco de volta perfeita onde se encaixa o sino. O portal axial, simples, é rematado por um entablamento coroado por espaldar e uma cartela ao centro enquadrada por duas urnas com fogaréus. Todo o conjunto é encimado por um janelão gradeado e acima dele as armas da misericórdia. O templo é envolvido por volumes arquitetónicos que atualmente correspondem ao antigo hospital e à farmácia da misericórdia.
O interior é coberto por um teto em madeira que apresenta decoração fitomórfica delineada a ouro. Um silhar de azulejos - de tipo padrão - estende-se ao longo das paredes do templo. Do lado do evangelho adossa-se uma pia de água benta em forma de concha. Os retábulos colaterais, em talha policroma, apresentam-se decorados com elementos vegetalistas delineados a ouro. A passagem para o altar-mor é efetivada mediante a transposição de um arco triunfal, de cantaria, de volta perfeita, suportado por pilastras da ordem toscana e decorados com ornamentação ovalada. Na parte superior, uma moldura policroma mada a azul, dourado e branco decorada com elementos vegetais e rematada com o escudo real. O teto da capela-mor ostenta uma abóbada de berço decorada com frescos onde abundam brutescos organizados em torno do monograma da Virgem. As paredes laterais apresentam quatro arcos de volta perfeita. Os primeiros dois encimam portas e os seguintes apenas apresentam as bandeiras gradeadas a madeira para fechar o arco.
O altar-mor é integralmente preenchido com um retábulo em talha policromada a ouro e azul. Ao centro rasga-se o altar destinado a Nossa Senhora da Misericórdia, ladeado por quatro colunas salomónicas, e na parte superior de todo o conjunto o brasão da Santa Casa da Misericórdia. A decoração varia entre brutescos de folhas largas e alongadas, folhas de parreira, cachos de uvas e aves fantásticas. Todos os ornamentos foram cobertos a folha de ouro.